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quarta-feira, 23 de abril de 2008
Tênis e frescobol - Texto de Ruben Alves
Depois de meditar sobre o assunto concluí que os casamentos ou (relacionamentos) são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: "Ao pensar sobre a possibilidade de relacionamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?. Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar." Scheherezade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são decapitados pela manhã, e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O Império dos Sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, Sheherezade o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.
Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinhos com as palavras não é repetindo o tempo todo: "Eu te amo". Barthes advertia: "Passada a primeira confissão, EU TE AMO não quer dizer mais nada". É na conversa que nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma".
Tênis é um jogo feroz, o objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente por aí que ele vai dirigir sua cortada palavra muito sugestiva - que indica o seu bjetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora do jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
Frescobol se parece muito com tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra. O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo que ninguém marca pontos... A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá... Mas há pessoas que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão...O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor...Ninguém ganha, para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
Ruben Alves
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